
Às 06h35min da manhã fecho o portão de casa a caminho da Parada de Ônibus. Ao chegar, percebo que passa o primeiro Conj. Ceará – Papicu, ônibus que deveria pegar. Não deu tempo de entrar, cheguei à parada 5seg atrasado. Espero mais alguns minutos, e lá de longe vem mais um. É aquele um pouco mais vago que o normal. O motorista, esperto como todos os outros, passa direto. Ele não tá a fim de lotação hoje. Após um tempo, avisto mais um letreiro laranja se aproximando, era mais um Conj. Ceará.rar – esse vinha mais lotado – dei o sinal e o motorista abriu a porta de trás. É importante que, antes desse momento, o passageiro já esteja com o Vale Transporte na mão (no meu caso, uma carteirinha de estudante e uma moeda de um real), pois lá dentro não terá espaço para tirá-lo do bolso. Entro e, já na porta, os passageiros que eu precisarei amassar já me olham com aquela cara de sempre: rapaz, não tá vendo que não tem mais espaço nesse ônibus? Vou me esquivando pra poder passar a catraca, pois não desço muito longe dali. Ao passar, você percebe o quão fede ali dentro. Ainda não são nem 7 da manhã, mas já tem gente pingando de suor debaixo do sovaco, gente suja, encardida mesmo, como se tivesse passado a noite rolando nas escadas do Dragão do Mar. Mas não é. Tenho a impressão de que esse pessoal fica correndo ao redor do Terminal enquanto o ônibus não chega (pra ver se não dorme em pé), pois não faz sentido tanta catinga tão cedo da manhã. Agora minha tarefa é passar uma mulher pançuda. Camiseta lilás com uns detalhes brilhosos, barriga fazendo volume. Um pouco de bigode e cabelo mal preso. Ela usa aquela calça de academia, que não lembrei o nome agora. A calça vai até o umbigo, acho que pra ver se levanta a bunda caída de alguma forma. É a criatura mais triste do ônibus, mas quando você passa, ela olha pra você com uma cara de nojo e menosprezo. Ela, a vaquinha pançuda do ônibus, podia jurar que você se aproveitou dela no momento que a ultrapassou. Sinceramente, por que isso? Não basta ser feia, mal feita e nojenta? Tem que se achar a gostosona também? Isso não é novidade pra ninguém, sempre rola isso num ônibus.
Pra quem não sabe, esse ônibus passa em frente à Oi na Borges de Melo. E pra quem não sabe também, metade das pessoas entre 17-19 anos de Fortaleza trabalham lá, pela Contax. A outra metade tá fazendo o teste de seleção pra entrar. Ou seja, mais um motivo para o meu ônibus ser superlotado. Ao passar pela Oi, você deve ser esperto. Descem 30 pessoas, sobem 40. É nesse período de transição que você deve ir um pouco mais pra frente. É uma confusão grande. Muitas pessoas descendo ao mesmo tempo nessa parada, tem gente que é tão imbecil que ainda tá lá atrás, e tem a cara-de-pau de gritar “VAI DESCEEEER, MUTURISTA!”. Quando a confusão é maior ainda, tem alguém que tá no ônibus só pra fazer confusão. Acho que enfrenta aquela lotação só pra ver o cabaré ser armado. O pessoal vai descendo, mas tem gente atrapalhando. Uma pessoa grita do meio do ônibus “Abre a porta do ‘mêi’, motorista!” e espera a gritaria começar.
O som ambiente não é nada agradável. No rádio do ônibus toca aquela música “camas separadas / beijo sem calor [...]”. Ao mesmo tempo, há um rapaz ouvindo em seu celular Xing Ling (sem fones) alguma música dos Racionais que não consigo decifrar a letra. É um confronto de ideais musicais em pleno ônibus. Enquanto você fica em pé com sua bolsa nas costas, toda pessoa que passa leva um pedaço dela. Sai te arrastando pra frente, e se você não tiver se segurando, pode ser perigoso. Há alguém sentado que oferece sua bondade para segurar sua bolsa. Esse é o momento mais feliz da viagem, você sem carregar peso algum, agora fica muito mais elástico. Perto da minha parada, percebo que a frente é a parte mais lotada do ônibus. Todo mundo se concentra na frente, é um desespero enorme, um medo de não descer na sua parada – que ainda tá há quilômetros de distância – e fica ali atrapalhando a vida de todo mundo. Vocês já perceberam que na sua parada sempre desce muita gente? Comigo é assim. Na hora que me preparo para ir pra frente e descer, tem muita gente se concentrando na frente, dizendo que vai descer. Fico desconfiado e com medo de ter que passar umas paradas a mais dentro do ônibus. Dou o sinal, o ônibus para. Começamos a descer em ritmo lento, e quando perto da cadeira do idoso ali na frente, tem um em pé, tampando a passagem sem perceber. A vontade que dá é de gritar pra ele: meu senhor, nem todo mundo aqui vai descer no Terminal do Papicu, então saia da frente! Na frente dele, ainda tem mais um, deve ser um quarentão. Aquele de bermuda bege e suja, sandálias e camisa polo. Fica de costas para o para-brisa do ônibus, em frente à porta. Ele tá se achando alguém na vida por estar puxando assunto com o motorista desde o Terminal do Conjunto Ceará. Saia do meio você também, que tô atrasado!
O resultado é lastimável. Se passei perfume em casa, esse já sumira. Camisa amassada e calça suja. Cadarço desamarrado, pois com certeza alguém lá dentro pisou e desamarrou. Olho pro relógio e já são 07h10min, preciso correr para chegar à escola. Aperto o botão da Faixa de Pedestres e quando o sinal abre pra mim, já me preparando para aulas de Física, Química e Português, percebo que minha bolsa ficou com a mulher sentada no ônibus. Talvez ela não fosse tão bondosa assim.